Ainda as eleições

* Mário Prata

As eleições, para mim, perderam a graça. Tudo por culpa do modernismo eletrônico e da televisão.

Em primeiro lugar, não se fazem mais comícios como antigamente. Em praça pública. No palanque da praça central. Na minha cidade, tinha um palanque que era fixo. Ali, ficavam as autoridades nos desfiles cívicos e militares. Ali, cantores do rádio vinham encantar a gente.

E, nas eleições, era dali que a gente via o Adhemar de Barros gritar: “Enquanto eu estou aqui, a minha mulher está na zona de Jaú”. Ou o Jânio, que passava pela cidade no último vagão da Noroeste do Brasil, tirava um sanduíche do bolso e mandava bala.

Como gritavam os políticos d’antanho. Tinha cidade onde o alto-falante nem sempre funcionava. Chiava. O jeito era ir no grito, no peito e na raça. Ainda hoje em dia, vendo os velhos políticos, noto que eles não perceberam que os microfones funcionam e continuam a gritar como se estivessem na década de 40 ou 50. Mesmo na televisão, eles agem como se estivessem nas públicas praças.

Agora tem o horário político. Devo confessar que adoro. Principalmente os candidatos a vereadores. De tão hilários, deveriam ter mais espaço na telinha. Um deles, lá de Sorocaba, travesti, dizia: “Não preciso do seu voto. Minha clientela me elege”. E dava o ponto na rua tal, esquina com tal. Adoraria ver a bicha num palanque rodando a baiana e apontando os seus clientes na platéia.

O horário político foi feito para eles entrarem nas nossas casas. Mas não entram, só espiam.

Depois inventaram as carreatas, as passeatas, os panelaços e outras palhaçadas. Você vê o seu candidato passando correndo pela sua rua. A impressão é que eles estão correndo para outro bairro.

Depois, tem a mala direta. Não sei onde esses caras arrumam o endereço da gente. Mas todo dia chegavam de dois a três envelopes, cheios de santinhos. Pelo menos é bom para rascunho. E os erros de português, que maravilha. Tinha um que começava assim: “Fazem oito anos que”… Ou seja, não dá para ler até o fim. Mas o mundo mudou e a lusitana continuou a girar Tudo bem, sejamos modernos. Mas, depois chega a apuração. Era aqui que eu queria chegar.

Com essa coisa de querer fazer apuração de primeiro mundo, perdemos a graça do nosso maravilhoso terceiro mundo. Urna eletrônica. Todo mundo aplaudiu e é mesmo gostoso apertar aqueles botõezinhos e pronto. Foi um sucesso. Monteiro Lobato, Elis Regina, Machado de Assis e Grande Otelo foram exumados, sem autorização das famílias, e voltaram às nossas telas.

Mas o mais grave de tudo foi a rapidez da apuração. Perdeu a graça, gente. Tinha coisa melhor do que você ficar em casa diante do rádio ouvindo aquelas intermináveis apurações, com papelzinho e lápis na mão, anotando tudo? Dias e mais dias, noites, madrugada, torcendo, anotando, como se fosse uma final do Brasileiro de futebol. Fulano crescendo, beltrano caindo nas apurações da zona leste, por exemplo.

Nas suas casas e diretórios, os candidatos também sofrendo, sofrendo, fazendo contas impossíveis. Durava mais de uma semana o lúdico sofrimento. Era bom demais. Agora, não. Quatro ou cinco horas depois, já se sabe quem ganhou. Qual é a graça? Onde fica o espírito de competição, o espírito esportivo? Antigamente uma eleição era decidida em dias, semanas. A gente sofria, torcia, apostava. Agora ficou uma caca.

Tinha subornos, sacanagens, votos preenchidos pelos próprios mesários. Protestos, processos, denúncias. Agora, não. Está tudo certinho. Parece com os Estados Unidos. É isso que eles queriam. Um dia, por engano, ainda vamos eleger o Clinton. Ou não será por engano?

Sei que, dentro de alguns anos, não vamos nem precisar ir até ao colégio para votar Vamos votar de casa mesmo, através da internet. Mas quer coisa mais gostosa do que sair de casa, entrar pra votar, pegar uma filinha, encontrar amigos, tomar uma cervejinha em casa depois? Será que vai ter boca de urna dentro da casa da gente? Os lixeiros vão adorar, é claro.

É por essas e outras que o FH se alia ao Maluf, seu velho inimigo na época da ditadura. Que vergonha, meu Deus. Não temos mais eleições, nem apuração e nem Partidos mais no Brasil. Os Partidos estão irremediavelmente partidos. Tudo é luta pelo poder Aliás, a esquerda velha sempre gostou de um cargo. E, quando consegue, não quer largar.

Pior que uma eleição de primeiro mundo só mesmo uma reeleição de terceiro mundo. O Fujimore entende dessas coisas.

Tecnicamente pra frente. Politicamente pra trás. Dá pra rir? Dá.

A eleição brasileira acaba de entrar na menopausa.

Texto extraído do livro “100 crônicas de Mário Prata”, Cartaz Editorial – São Paulo, 1997, pág. 39.

* Conheça a vida e a obra de Mario Prata.

1 comentário em “Ainda as eleições

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.