Um amigo meu, nascido numa pequena cidade do interior do nordeste, me contou uma vez como a televisão resolveu um mistério aparentemente insolúvel da sua adolescência. Até o fim dos anos setenta não tinha TV na sua cidade. Os poucos transmissores disponíveis no Nordeste estavam nas grandes cidades. Quem tinha a chance de conhecer as maravilhas de Hollywood, tinha muita história pra contar em casa.
Orgulhosos de seu “conhecimento cultural” do mundo, os escolhidos davam nomes esquisitos pra suas crianças, tais como Lincoln, Washington ou Roosevelt. Na cidadezinha mesma, só chegavam notícias do mundo lá fora através do programa de rádio “Voz do Brasil”, mas também somente quando se dispunha do luxo de possuir um rádio em casa.
Assim cresceu meu amigo com os velhos discos do pai, ouvindo as grandes vozes da música brasileira, como as “músicas de dor-de-cotovelo” de Nelson Gonçalves, Maysa ou Núbia Lafaiete. Sem esquecer da “rainha do rádio brasileiro”, a “Sapoti” Ângela Maria; do “ébrio” Vicente Celestino ou da mulata Eliseth Cardoso…
Um certo dia chega uma prima do meu amigo de visita. Ela mora com sua família na capital. Banhada em lágrimas, ela conta que Elvis Presley morreu. Para meu amigo esse nome soava um pouco estranho, mas diante do fato dos filhos da vizinha se chamarem Franklin e Frankla, Disneilândio, Disneiuolde, Ualdisnei, Dondiego e Durangoquide, ele presumiu que se tratava de um parente distante, talvez um primo desconhecido. Envergonhado, não teve coragem de perguntar exatamente de quem se tratava. Ficou em dúvida durante anos, apesar de não conseguir se lembrar de ninguém da família com um nome tão esquisito.
Com a chegada da televisão em sua cidade, anos depois, seus olhos foram abertos. Quão irreal pode ser a realidade: somente depois que o rebolado de Elvis Presley se aquietou para sempre, foi que ele entrou na consciência do meu amigo. Pode existir uma prova melhor de que a vitória global da TV dá ao mundo o mesmo ritmo, que se espalha ruidosamente por todas as partes?
Retirado do texto Brasil: Elvis Presley e o homem-da-cobra, de Thomas Milz