Silvio Tadeu – Uma história de solidariedade

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Quem já passou pelo centro de Fortaleza, certamente lembra dessa figura, um negrão alto, cabelo rastafari e que passava horas numa calçada na Duque de Caxias olhando a esmo.

Ao ler a crônica de Pedro Salgueiro, para o Jornal O povo, revelando quem realmente era aquele sujeito, juro que me emocionei, principalmente ao lembrar que o vi diversas vezes com aquele olhar triste ou de contemplamento.

Segue aqui o texto que estou falando:

Anjos das ruas
Silvio Tadeu – Uma história de solidariedade

Pedro Salgueiro
Especial para O POVO

Ao contar uma história de solidariedade, o escritor Pedro Salgueiro abre o questionamento: se uma pessoa de boa vontade consegue salvar uma vida, o que não fariam os poderes estaduais, municipais e federais se tivessem um mínimo de boa vontade?

28/01/2008 01:57

Silvio Tadeu parecia fazer parte da paisagem de Fortaleza

Faz uns dez anos que perambula pelas ruas de nossa sonsa loirinha descabelada pelo sol um negro alto, cabelos fartos, sujo, roupas em farrapos, às vezes vestida sobre outra já em tiras. Distingue-se pelo porte altivo, cabeça levantada e pelo quase silêncio que o acompanha: poucos escutam as palavras que pronuncia baixinho, não raro esbraveja com alguém imaginário ou faz estranhos cálculos matemáticos.

Não pede esmola, mas lhe dão dinheiro, roupa e comida; quase sempre redistribui ou deposita as cédulas amassadas e rabiscadas com números em baixo de cones, desses usados em sinalizações de trânsito, e de papelões de outros moradores de rua, nada guarda para o dia seguinte. Come pouquíssimo e toma café e fuma em abundância (que lhe dão sem ele ao menos pedir).

De dia freqüenta os logradouros no centro: Praça Murilo Borges, rua Assunção, praça Coração de Jesus e uma calçada de estacionamento na Duque de Caxias, onde passa a maior parte da tarde acocorado em silêncio; de noitinha vai em direção à Praia de Iracema até a avenida Aquidabã, lá fica também acocorado em uma calçada em frente a um posto de gasolina. Não se sabe onde dorme, como faz suas necessidades fisiológicas, muito menos o que pensa e balbucia em quase preces noturnas.

Cumpre há uma década o mesmo ritual de sempre, dizem que ele faz as mesmas coisas, nas mesmíssimas horas (até para atravessar as ruas é sempre em locais determinados), o exato itinerário, quer faça chuva ou sol: o mesmo porte altivo, o olhar contemplativo de superioridade e paz. Não se apressa nunca, nem altera o semblante; nem se importa se ao seu lado passa uma bela jovem (que quase sempre aperta a bolsa e desce a calçada) ou um outro morador de rua.

Já apareceu em diversos ensaios fotográficos sobre o centro da cidade e foi até personagem de crônica de Airton Monte: faz parte, definitivamente, da paisagem dessa Fortaleza de Todos os Perdidos-Anjos.

Pois bem, acho que cumpriria este seu eterno ritual de perambular pelas calçadas, de se esgueirar pelos becos, de se acocorar pelas calçadas, até o final dos tempos, não fosse a alma enorme e boa do meu colega de repartição (e ex-baixista da banda de regue Rebel Lions) Jânio Alcântara, que puxou conversa, com uma paciência de Santo, com nosso personagem: descobriu o nome de sua cidade natal – Paranapanema, São Paulo) e o nome da mãe, Jandira Aparecida da Cruz (completo e com seu nome de solteira e de casada).

O novo amigo foi a Internet pesquisar e conseguiu falar por telefone com a mãe, uma senhora forte e saudável morando no interior de São Paulo; em poucos dias se encontrava em nossa cidade a mãezona (que há dez anos não sabia o paradeiro do filho) e a irmã mais nova, Sidelça, uma bela jovem parecidíssima com o nosso herói-de-rua.Jânio não ficou por aí, conseguiu internamento e tratamento dignos para o agora ex-morador das ruas sujas de nossa meretríssima loirinha descamisada pelo sol.

Moral de nosso conto de fada: se uma pessoa de boa vontade (com a ajuda de outros anjos bons) consegue salvar uma vida, o que não fariam os poderes estaduais, municipais e federais se tivessem um mínimo de boa vontade, competência e solidariedade.

P.S.: Para não deixar o leitor curioso com o destino de Silvio Tadeu da Cruz, ele está internado, limpo e bem vestido. A família o espera para levá-lo de volta para SP, pois sua avó de 99 anos de idade há dez anos não se cansa de perguntar toda noite por ele. Duas de suas irmãs moram na Europa, os outros vivem bem em Paranapanema (SP). A mãe diz que seu descontrole começou quando ele presenciou a morte, em acidente de automóvel, do irmão de que mais gostava, depois agravado pela dificuldade em pagar a faculdade de engenharia que cursava já no 2º ano, após ser despedido do banco em que trabalhava. Diz-me (agora sua belíssima irmã) que ele era o mais inteligente da família, também o mais vaidoso…

Pedro Salgueiro é escritor. Publicou O Peso do Morto (1995), O Espantalho (1996), Brincar com Armas (2000), Dos Valores do Inimigo (2005) e Inimigos (2007), de contos; além de Fortaleza Voadora (2007), de crônicas.

38 comentário em “Silvio Tadeu – Uma história de solidariedade

  1. Massa ó! Eu conhecia o cara de vista. Realmente não mexia com ninguém. Eu o via quando ia pelas bandas da PI naquele posto. Ainda bem que o cara reencontrou a família. \,,/

  2. Massa mesmo Junior, o cara tava perdidão, fico pensando como é que ele veio parar aqui em Fortaleza…

  3. Que bela historia de solidariedade, so prova o quanto as pessoas não se preoculpam com os semelhantes, passara-se 10 anos para aparecer um anjo enviado por Deus para fazer esta descoberta. Minha felicidade por Ele é indescritivel,esta pessoa que fez esta imensa caridade é uma pessoa iluminada, e que Deus continue o abençoando a cada dia…

  4. Me lembro muito sobre a História da Loucura, livro do Foucault. Acho que ele é um exemplo comtemporâneo do louco que faz parte da paisagem.

  5. este é um blog nota 10! parabéns! a historia do Silvio Tadeu é realmente muito emocionante e o que é melhor, nos dá a esperança que a humanidade ainda tem salvação.

  6. Deus nos mandando mais uma vez aquele velho adágio popular: não devemos julgar o livro pela capa. Eu sei que o aspecto deste rapaz, embrutecido pelas muitas noites mal dormidas, distancia as pessoas… Mas não é que por debaixo de todo aquele corpo mau trapilho não existe um cidadão precisando apenas ser encontrado!

  7. Poxa que bom… Eu e minha mae adoramos saber que o Silvio encontrou sua familia…conheciamos ele de vista, sempre o via na duque de caxias ou na praça coração de jesus.Foi Deus quem colocou o Janio na vida do Silvio!!!

  8. dei valor Mama pela historia de um cara q muitas vezes as pessoas jugam pelas aparencia… uma vez eu tinha escutado essa frase: “As pessoas sao diferentes, pessam diferente e agem diferente! nunca as julgue, apenas compreenda”.
    vlw abraço

  9. Quero muito que o Bob Marley se recupere e volte pra sua família…. existem pessoas muito más nas ruas, mas o Bob só tava mesmo precisando de uma ajuda e graças a boa vontade de um ser generoso ele conseguirá se recuperar….parabéns pela matéria.Ah também gostaria de ver os ensaios fotográficos.

  10. Muito massa, essa história, gostaria que
    outras pessoas fossem salvas assim como foi o SILVIO,
    ele merece, sofreu por todo esse tempo e nunca machucou ou
    pediu nada a ninguém.
    ESPERO QUE ELE ENCONTRE A FORÇA QUE PRECISA PRA RECOMEÇAR.

  11. Quando recebi por e-mail a historia do Sílvio Tadeu, fiquei emocionada. Fico imaginando agora que ele está fazendo. Será que é consciente do que está lhe acontecendo? Gostaria de saber mais noticias sobre ele. Sei que estava no Suliano em tratamento e que sua familia o espera.

  12. Acredito realmente que todos nós temos algum anjo para nos proteger e nos reconduzir aos melhores rumos. O Jânio foi o anjo que irá proporcionar novos rumos à vida do Sílvio Tadeu. Que Deus proteja aqueles que se encontram perdidos dos seus ideais e nos ilumine para termos o compromisso da solidariedade necessário a condução de um mundo melhor.
    Tereza Rosane

  13. Fiquei muito emocionada com essa estória, pois sempre via aquele homem na Duque de Caxias, quando eu passava diariamente por lá. Gostaria de me corresponder com o Jânio Alcantara, é possível? Também gostaria de saber mais notícias sobre o Sílvio Tadeu.

  14. É muito bom saber dessas historias que geralmente acontece, mas fica no anonimato. Meus parabéns e continue praticando solidariedade pois a sua recompensa quem vai dar é Deus!

  15. EM OUTRA REPORTAGEM EU LI QUEJANIO HAVIA DADO UM CREME DENTAL DENTAL E UMA ESCOVA DE DENTES, ELE NÃO SABE SE ELE USOU, MAS EU BEM SEI! PASSANDO POR ELE COMO TODOS OS DIAS ELE ESTAVA ESCOVANDO OS DENTES NUMA LAMA DENSA E PRETA. MUITOS FICARAM HORRORIZADOS, MAS NINGUÉM PODIA FAZER NADA. NÃO CONCORDO COM PESSOAS QUE FALAM: HA EU NAOAJUDO PQ NÃO POSSO. MENTIRA NA VERDADE AS PESSOAS VIVEM NUM MUNDO INDIVIDUALISTA E TEM MEDO DE SE ENVOLVER, AJUDAR PRA ELAS É SE ENVOLVER,SÓ QUE EU NAO SOU ASSIM, EHOJE VENDO O RESULTADO DESSA ESTORIA DE VIDA ME ACHO QUE FUI COVARDEE MESQUINHA COMO ESSAS PESSOAS.TB NAO TEM SÓ ELE NAS RUAS QUE TEM FAMILIA E SEI MAIS ESTORIAS BEM PARECIDAS, COM TAMBÉM ACHO QUE NEM TO TRANSTORNO MENTAL QUE ALGUEM APARENTA TER É SEM CURA OU SEM CONTROLE, MUITA GENTE QUE SOFRE DE PROBLEMAS EMOCIONAIS PODEM PERFEITAMENTE VIVER EM CONVIVIO FAMILIAR. É UMA PENA QUE MUITOS SE ESQUECEM QUE DA VIDA NÃO LEVAMOS NADA, SENÃO E QUE VIEMOS PRARASERVIR E MELHORAR NOSSO EU.

  16. Quero parabenizar a Janio por ter atendido o pedido de Deus e cumpriu sua missao de anjo, e mais ainda por ter sido Tadeu o recebedor de sua bondade.
    Acredito na total recuperacao de Tadeu.
    “Ninguém jamais viu Deus.
    se nos amarmos uns aos outros,
    Deus está conosco e o seu Amor se realiza completamente entre nós.”1Joao 4,12.

  17. Oi.. Gostaria de obter mais informações sobre o Silvio? Ele se encontra em Fortaleza? Tem como eu visita-lo?
    Fiquei muito feliz com a atitulde de quem o encontrou.
    Parabens! É bom saber que ainda existem pessoas humanas capazes de fazer o bem…

  18. eu estudava no colégio Cearense,via d+ esse homem
    Òtimo final
    gostaria de saber como ele está…
    ele tem orkut?!
    hehehehe

  19. Nossa, sempre via ele ali na Duque, dava uns trocados e já tinha reparado que ele não ficava mais naquele lugar. Fiquei sabendo do ocorrido só agora. Que bom que deram essa força pro cara, espero que ele reconstru sua vida junto da família!

    Tô muito feliz por ele…

  20. linda historia! adorei de verdade! ainda bem q existe pessoas boas no mundo, certo q estamos cercados por pessoas ruins mais deus ainda vai tocar no coração de tais pessoas! e de tais politicos tb ! valeu por ter ajudado alguem q precise e gente sempre q pudermos vamos fazer o mesmo isso so faz e engrandecer nossa alma de amor e paz! abraço a todos!

  21. Cara meus olhos lacrimejaram quando li essa historia,um pouco de tristeza por saber que muitas pessoas abandonadas ñ vão ter a mesma sorte dele,mais tbm de alegria por saber que mesmo que seja um esse um reencontrou sua felicidade!!!!

  22. Gente moro em Avaré interior de São Paulo, cidade vizinha de Paranapanema, terra de nosso querido Silvio. Passamos nossas infancias juntos e após completar a maioridade fomos pra capital (SP), lá moramos juntos, ele fazia facul em São Bernardo do Campo e eu trabalha em um banco, depois mudei de emprego e nos separamos pra nunca mais nos vimos. Para minha surpresa achei essa materia e confesso, estou com um misto de alegria e de tristeza, pois não tenho mais noticias dele. Já liguei pra clinica em que ele estava e me informaram que ele voltou para o convivio da familia, mas eles infelizmente escondem de nós, amigos dele, seu paradeiro.

    Se alguem tiver alguma noticia por fazer me avisem…O negão sempre foi um irmão pra…

    Fiquem todos com Deus

    Natalino (Natinho)

  23. Parabéns aos idealizadores desta matéris, só agora estou conhecendo esta história, sou de Paranapanema, moro aqui e conhecia o Silvio , me criei com ele, um amigo e tanto! Felicito a Sidelça também pela nova profissão! Abraçãooo

  24. É de pessoas como Sílvio Tadeu, plenas de grandeza humana e de mansidão espiritual, que se faz a literatura a que devemos instantes que nos edificam e emocionam, como a belíssima crônica de Pedro Salgueiro.

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